“- Desta vez Vianna está vista, disse a preguiça tressuando já e esperando um descaçosinho conveniente.
Ah, queres então deixar de ver a ponte, as ruínas de Santa Luzia, a Estação e o Theatro?
Ao Theatro, vamos lá ao Theatro.
E fomos ver o moderno templo de Talma […] embora soubéssemos que não estavam ainda concluídos os seus arranjos interiores. Um scenógrapho qualquer pintava o scenário e do palco nós pudemos avaliar o espaçoso âmbito do Theatro moderno, com que Vianna vae ser dotada”
[Vieira, José Augusto (1887), Minho Pitoresco]
1. Contexto histórico.
Segundo informação registada por Carla Barbosa (1995), elevada a cidade por carta régia de D. Maria II em 21 de Janeiro de 1848, Viana do Castelo apresenta vestígios, nomeadamente na sua arquitectura – abundantes moradias, muitas delas ostentando emblemas de brasão -, de um desenvolvimento e de uma prosperidade económica singulares que, com o inicio do sec. XVI, atingiram a época áurea na primeira metade do séc. XVII. Consequência directa do comércio do açúcar brasileiro, no qual os vianenses participaram, não só na produção – é significativa, em seiscentos, a emigração para o Brasil – mas também na importação e exportação, bem como da exploração do ouro no sec. XVIII, no mesmo país. Estas novas fontes de riqueza ligaram, definitivamente, fidalgos e mercadores à história cultural da cidade.
É nas casas de algumas destas famílias que em pleno sec. XIX, os seus descendentes realizam, à semelhança do que acontecia na capital, reuniões designadas por saraus literário-musicais, em que música e outras formas de cultura estavam presentes.
Numa época marcada pela perda da subjectividade, e amor ao espírito e rigor científico, criava-se aqui um público conhecedor, dando origem a que Viana fosse «considerada uma cidade culta, temida pelos artistas de fora da terra» (José Rosa de Araújo, 1977,in Barbosa, C., 1995).
Efectivamente, existiu em Viana do Castelo uma elite de vida intelectual privilegiada. Por lá passaram e viveram, por períodos mais ou menos longos, figuras ilustres da cultura portuguesa como Camilo Castelo Branco em 1857 e Guerra Junqueiro em 1879.
Carla Barbosa (1995), refere que a actividade literária era florescente. Demonstram-no a publicação de revistas, jornais e obras literárias de autores locais, bem como a existência de três oficinas de impressão, todas com grande actividade. A autora refere ainda outros factores de cultura que testemunham a fama da cidade, como a decisão da criação de instituições como a Biblioteca Municipal e o Museu de Viana do Castelo, «cuja falta há muito se fazia sentir e era reclamada pela população vianense» (José Luís Branco, 1989, pp.89) data, respectivamente, de 16 de Fevereiro e 9 de Maio de 1988 (ibidem).
Viana desse tempo é considerada pelos cronistas locais, de gerações posteriores, centro de «intensa e brilhante actividade mental».
No século XIX “… Viana do Castelo usufruía, essencialmente, de três tipos de espectáculos: aqueles em que a componente cultural predominava e se destinavam a um público de elite, servindo obviamente um numero reduzido de pessoas; outros de função mais recreativo-cultural para um público mais alargado; e outros, ainda com o objectivo único de divertir e «provocar hilaridade», para um público predominantemente popular.
Relativamente ao primeiro, menciona-se a vinda de companhias – sediadas em Lisboa e no Porto, raramente estrangeiras (italianas) – representativas de vários géneros: dramas, alta comédia e recitais, por profissionais ou amadores. Quanto aos segundos, aponta-se a comédia, o drama popular, a ópera cómica, as operetas, as zarzuelas – estas normalmente a cargo de companhias espanholas - e a música no Jardim Público, salientando-se a regularidade semanal ou bissemanal deste evento; incluem-se, também, os espectáculos promovidos por alguns grupos dramáticos de amadores locais. De igual modo, era exigido, aos intervenientes nos espectáculos supracitados, elevada qualidade e interpretação e execução.
Por último, refiram-se os espectáculos da responsabilidade de companhias ambulantes, com tradição de permanência regular na cidade, integrando ginastas, equilibristas, «jongleurs», domadores e outros artistas de circo, bem como companhias dramáticas ou de zarzuela, mas sem qualquer preocupação de qualidade.
Nos primeiros anos do último quartel do século passado, uma onda de evolução e desenvolvimento fez-se sentir em Viana do Castelo. Procedeu-se, assim, à construção da nova ponte sobre o rio Lima pela empresa francesa Eiffel, à inauguração da estação do novo caminho de ferro, a melhoramentos no porto de mar e na doca e a obras de urbanização e embelezamento da cidade (Pereira Viana, 1934, p.74).
Assim sendo o antigo Teatro da Caridade não satisfazia a imagem de progresso que se pretendia, pois «com mais de cem anos, alcachinado e pobre, não podia satisfazer as exigências de comodidade e segurança que o público começava a reclamar, nem podia arcar com encargos de companhias de reconhecido mérito artístico, por deficiência de lugares» (ibidem, p.78).
O Teatro da Caridade contava já com 91 anos, e surge por decisão da Congregação e Hospital dos Velhos e Entrevados de Nossa Senhora da Caridade, a 25 de Setembro de 1793, “…estabelecesse uma casa que nela se pudessem representar dramas, já para se alugar a Companhias de cómicos que vierem de fora, ou para se pedir a curiosos da terra para nela representar a benefício desta Congregação” (Amadeu Costa, 1985, pp.129).
Amadeu Costa (1985), conclui que esta decisão surge após a extinção do Teatro da Alfândega – uma outra casa de espectáculos. Mais tarde em 1917, é demolido o Teatro Olímpia, ao ser rasgada a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra.
No Teatro da Caridade organizaram-se bailes de máscaras em benefício do Hospital da Caridade, assim como altas figuras da cena nacional e internacional puseram em delírio os vianenses, de tal modo que se chegou a dizer – quando a edificação do Teatro Sá de Miranda era já um sucesso – que «aquilo que viu o teatro velho, nunca há-de ver o teatro novo»! (Amadeu Costa, 1985, pp.130)
1.2. Companhia Fomentadora Vianense
Em 1874, surge a ideia da fundação de uma Empresa, cujo objectivo era «promover diversos melhoramentos materiais na cidade de Viana do Castelo», que teve como principais impulsionadores o Conselheiro António Alberto da Rocha Páris, Sebastião da Silva Neves, José Afonso de Espregueira e José Alves Ferreira. Fomentadora Vianense foi a designação escolhida para a Companhia que se constituiu como Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada (Amadeu Costa, 1985, pp.126).
A construção de «um edifício civilizador» - que viesse substituir «o velho e mais que modesto Teatro da Caridade», estava na primeira linha das preferências de tão prestantes vianenses (ibidem).
Assim nasce o Teatro Municipal Sá de Miranda, situado na Rua do Major Xavier da Costa, defronte da antiga cerca do Convento de Sant’Ana. Um sóbrio edifício construído segundo a traça delineada pelo arquitecto José Geraldo da Silva Sardinha. Oficialmente inaugurado a 29 de Abril de 1885, depois da primeira pedra ter sido lançada a 1 de Dezembro de 1875, exibe uma elegante frontaria em estilo clássico.
1.3. A história do Teatro Sá de Miranda
O aparecimento do Teatro Sá de Miranda em Viana do Castelo, nos finais do século XIX, coincide, como já tem sido publicado diversas vezes, com uma serie de melhoramentos materiais que, ao tempo, se fizeram sentir em Viana e que se traduzem, alias, uma politica nacional mais alargada, reflexo do desabrochar das ideias de Fontes Pereira de Melo.
Mas as razoes para o nascer deste teatro ultrapassam o simples crescimento económico e vêm de encontro as necessidades de uma população cujos hábitos incluíam a prática de teatro e da música, ora num ambiente familiar e privado, ora em locais mais abertos e públicos. Desde os saraus literário-musicais e os pequenos concertos em família ou nas sociedades Technicofila e Assembleia Vianense, à “música” no jardim ou Passeio Publico pela Banda Regimental de Infantaria 3, e, ainda ao serviço do culto e das festividades religiosas, a cargo da Orquestra Carvalho e Cruz, passando pelo teatro «ora declamado ora musical, as mais das vezes polimorfo» [1] - este a cuidado de companhias que vinham de fora, ou pelos próprios amadores da terra -, as vivencias culturais tinham um assento no modus vivendis vianense[2].
Como já foi dito, o Teatro Municipal Sá de Miranda está situado na Rua Major Xavier da Costa, defronte da antiga cerca do Convento de Sant’Ana, é um sóbrio edifício construído segundo a traça delineada pelo arquitecto José Geraldo da Silva Sardinha.
Este veio substituir o antigo e modesto Teatro da Caridade, que havia sido erigido em 1793 por decisão da Mesa Administrativa da Congregação do Hospital de Velhos e Entrevados de Nossa Senhora da Caridade.
Oficialmente inaugurado a 29 de Abril de 1885, depois da primeira pedra ter sido lançada a 1 de Dezembro de 1875, exibe uma elegante frontaria em estilo clássico.
O projecto foi da responsabilidade de José Geraldo Sardinha, professor de Arquitectura Civil da Academia Portuense de Belas Artes. Este projecto é de influência neoclássica, com um traçado romântico. Foi desenhado e construído segundo o modelo de Teatro à Italiana, com as características que o identificam; plateia em forma de ferradura, com frisas, camarotes de 1ª ordem e de 2ª ordem, relação de equivalência entre palco/plateia e outras que caracterizam este modelo de teatros:
(Planta e corte, Câmara Municipal de Viana do Castelo)
Recorrendo ao Diccionário do Theatro Portuguez, de Sousa Bastos (1908) podemos ler que “ O projecto deste theatro foi elaborado pelo architecto Sardinha, lançando-se a primeira pedra em Dezembro de 1875. […] A sala d’espectadores é um semi-circulo. Tem 20 frisas, 21 camarotes de 1ª ordem e 16 de 2ª todos amplos e luxuosos, […]. A plateia tem 82 cadeiras e 132 logares de geral. […]. A decoração é muito bonita e graciosa “
O Pano de Boca foi idealizado por Luigi Manini e pintado por Lambertini. O tecto, um Fresco com uma imagem do céu em trompe l’oeil, circundado por oito medalhões com retratos de dramaturgos (Calderon de la Barca, Shakspeare, Schiller, Alfieri, Moliére, Corneille, Gil Vicente e Garret), foi pintado por João Baptista do Rio.
Sobre Lambertini sabe-se que era também um pintor e cenógrafo com alguma importância, só dessa forma se percebe como o prestigiado Manini lhe confiara a tarefa de executar a sua criação. Podemos ler no mesmo Diccionário do Theatro Portuguez que Lambertini era “ um excellente scenographo […] Era principalmente exímio na paisagem. […] as emprezas n’elle confiavam ás cegas, pois que nunca faltou com o seu trabalho no dia prometido, o que era de grande conveniência para o bom andamento d’um theatro”
Importa referir que João Baptista do Rio foi, segundo consegui apurar, um pintor Vianense a quem se lhe deve, além deste trabalho, as pinturas da Matriz, do Palácio dos Távoras e dos Wernecks. Gostaria de referir mais acerca deste artista, mas confesso que não consegui encontrar mais dados. Sei que vivia no Porto e tinha duas irmãs que viviam em Viana do Castelo.
Importante será explicar, muito resumidamente, o que é um Fresco e uma pintura em trompe l’oeil;
Um Fresco é uma pintura com pigmentos, á base de água, feita sobre argamassa ainda fresca. Isto faz com que, ao secar, os pigmentos fiquem integrados na própria parede ou tecto. O Trompe L’oeil é uma técnica, que através da perspectiva, cria uma ilusão que á distância cria uma impressão de realidade. Provém da expressão Francesa engana o olho.
De volta ao Teatro Sá de Miranda, Teatro Herculano, foi o primeiro nome previsto para o edifício em construção, a fim de homenagear o «eminente historiador e profundo filósofo», por deliberação da Direcção de 28 de Março de 1878. Três anos volvidos, mudam-se os tempos e as vontades, ainda em atarefada fase de levantar paredes, recebia a designação de Teatro Francisco de Sá Noronha, para laurear um violinista e compositor de grandes méritos, por proposta do jornal A AURORA DO LIMA de 17 de Março de 1881, nome que também não vingaria.
Contabilizando tudo, desde a demolição do antigo teatro ao risco do arquitecto, a obra teve o custo final de 36 198$985 réis, trinta e seis contos, numa árdua tarefa de dez anos!
Na récita inaugural da ampla sala, a 29 de Abril de 1885, foi exibida a opereta Boccacio, de Franz von Suppé, sob direcção do maestro Francisco Alves Rente e sóbria actuação de Tomásia Veloso, Belmira Sanguinetti, Maria da Luz, José Dias e José Ricardo, prima-donas e vedetas da Companhia de Ópera Cómica do Teatro Príncipe Real do Porto.
1.4. O teatro na actualidade.
A partir de Maio de 1914 o teatro passou a ser gerido e explorado pela Empresa Cinematográfica Vianense, constituída pelos sócios Artur Telles de Menezes, João Filipe Martins Branco, D. Maria Antónia Emília dos Aflitos de Menezes Montenegro da Cunha de Antas, Martinho José de Cerqueira e Salvato de Menezes de Castro Feijó.
Pelos seus palcos passaram os melhores actores portugueses de antanho, como Ferreira da Silva, Alves da Cunha, Adelina Abranches, Lucinda Simões, Lucília Simões, Erico Braga, Samwel Diniz, Palmira Bastos, Nascimento Fernandes, Rosa Damasceno, Ângela Pinto, Chaby Pinheiro, Amélia Rey Colaço, João Vilaret, Beatriz Costa, Mirita Casimiro e um longuíssimo etc.
Ficou memorável o concerto dado por Guilhermina Suggia em 24 de Maio de 1945, acompanhada pela pianista Ernestina da Silva Monteiro
Palco privilegiado de espectáculos de teatro, dança, música, ópera, ballet, cinema, variedades e demais actividades culturais, foi adquirido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo em 1985, funcionado desde 1991 como sede do Centro Dramático de Viana e da sua Companhia de Teatro do Noroeste.
O imóvel foi alvo de ligeiras obras de restauro e conservação em 1957, tendo sido efectuadas obras mais aprofundadas, devido ao seu avançado estado de degradação, numa primeira fase em 1993 dando segurança e comodidade ao público mantendo todo as características originais, excepção feita à caixa de palco em 2000, foi dotada dos mais modernos equipamentos cénicos, que permitem pôr em cena os mais exigentes espectáculos.
Posso afirmar que o Teatro Municipal Sá de Miranda foi e continua a ser o pólo de cultura mais importante de Viana do Castelo.
2. Conclusão.
Em jeito de conclusão será importante voltar a referir a importância do Teatro Municipal Sá de Miranda na época da sua construção, e ainda hoje, como pólo de dinamização cultural da sociedade onde está integrado, bem como a de todos os artistas envolvidos na sua construção e decoração.
Teremos de ter em mente que não se trata de um edifício de referência no panorama nacional, mas que merece um estudo mais aprofundado, visto ser um dos poucos Teatros á Italiana em funcionamento e em bom estado de conservação na região do Alto Minho e onde Manini deixou a sua marca.
Para finalizar, e no âmbito desta unidade curricular, posso afirmar que em termos de compreensão e conhecimento do tema abordado atingi os objectivos a que me tinha proposto no início desta aventura visto que é de fácil entendimento o impacto social e antropológico que o Teatro Sá de Miranda teve desde a necessidade para a sua construção até aos nossos dias.
Não será demais voltar a referir que o trabalho apresentado apenas levantou a ponta de um véu, deixando pistas para se poder prosseguir com a pesquisa e a investigação.
Muito terá ficado por saber e por fazer, mas quiçá seja este o início de um longo caminho a percorrer.
[1]Francisco Cyrne de Castro,« Temporada Lirica em Viana no ano de 1850» in Roteiro de Viana, Camilo Pastor, 1963, s. p.
[2] Carla Soares Barbosa, «Viana do Castelo – O Teatro Sá de Miranda no espaço musico-cultural da cidade (1885-1914)» (Dissertação de Mestrado), Coimbra 1992.
5. Bibliografia
Barbosa, Carla Soares, «Viana do Castelo – O Teatro Sá de Miranda no espaço musico.cultural da cidade (1885-1914)» (Dissertação de Mestrado), Coimbra 1992.
BARBOSA, Carla S. (1995). Viana do Castelo: O Teatro Sá de Miranda no espaço Musico-Cultural da Cidade 1885-1914. Câmara Municipal de Viana do Castelo: Viana do Castelo.
Bastos, Sousa (1908), Diccionário do Theatro Portuguez, Lisboa, Imprensa Libanio da Silva
Cadernos Vianenses, Viana do castelo, 17, 1994.
Castro, Francisco Cyrne de,« Temporada Lirica em Viana no ano de 1850» in Roteiro de Viana, Camilo Pastor, 1963, s.p.
COSTA, Amadeu (1985).Teatro Municipal Sá de Miranda: Achegas para o seu curioso e brilhante historial, in Cadernos Vianenses. Câmara Municipal de Viana do Castelo, Dezembro 1985, pp.125-262.Dias, João P. (1940), Cenários do Teatro de São Carlos, Lisboa
[Vieira, José Augusto (1887), Minho Pitoresco], folha de sala da reabertura do Teatro Municipal Sá de Miranda (1993), Impressão Oflito
VIANA, Pereira (1934). “O Teatro «Sá de Miranda» ”, in arquivo Viana do Castelo, Vol. I, Viana do Castelo, pp. 70-82.
Vieira, José Augusto (1887), Minho Pitoresco
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